O axé está na moda, literalmente. Na próxima sexta-feira, o Ateliê Obìnrin Odara, que também é oficialmente um Ponto de Cultura de São João...
O axé está na moda, literalmente. Na próxima sexta-feira, o Ateliê Obìnrin Odara, que também é oficialmente um Ponto de Cultura de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, vai lançar o catálogo digital Moda de Terreiro. A publicação do espaço que faz parte do terreiro de candomblé Ilê Omolu Oxum revelará, por meio das fotografias de Alex Ferro, o trabalho artesanal feito no local que celebra a religiosidade de matriz africana e também os desafios de se promover atividades relacionadas à moda durante a pandemia. A abertura do catálogo será realizada com uma live na página do terreiro no Facebook, a partir das 18 horas.
O projeto, que ficará disponível no site do terreiro, é capitaneado pela ialorixá Mãe Nilce de Iansã, Iyá Egbé, que cuida ações comunitárias do terreiro. Nascida em Ramos, na Zona Norte carioca, o ateliê do terreiro surgiu em 2013 como uma forma de divulgar o saber ancestral que herdou da respeitada ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, que completou 60 de feitura de santo em julho do ano passado e que, por sua vez, aprendeu com a sua mãe de santo e avó materna, a baiana Maria Davina Pereira, ou Iá Davina de Omolu. Hoje, a máquina de costura da matriarca que participou da fundação de dezenas de terreiros no Rio de Janeiro no início do século XX está no Museu Memorial Iá Davina, também em São João de Meriti.
— A nossa casa tem a tradição de fazer essas vestimentas e nós começamos a fazer não só para nosso uso, mas para a nossa comunidade. Nós começamos e não paramos mais porque, antes, estava se carnavalizando demais as coisas de orixá, o que não é de nossa tradição. Depois, nós começamos a trazer o povo para dentro do terreiro para aprender, fazendo oficinas — disse Mãe Nilce, que também não tem nada contra o carnaval ou com a popularização das vestes:
— Homenagem, a gente aceita. Só não aceita quando é pejorativo. Eu sou uma mulher de iansã e não gosto de ver ela representada de peito de fora como se fosse uma qualquer. Quando o pessoal mistura as coisas, fica feio, mas quando é positivo, é uma coisa real, é o que a gente acredita. Tem que respeitar. Não sou contra que o carnaval faça isso, desfilei muito, minha mãe tinha uma ala na Mangueira chamada de Ala do Afoxé e vi vários desfiles falando de candomblé, mas também vi muita coisa que não foi favorável. Mas vamos falar sim, da tradição, porque é uma forma de se divulgar.
O ateliê criado em 2013, que também já ajudou mais de 200 adolescentes no aprendizado de atividades artesanais, é especializado em geração de renda das mulheres do terreiro e da comunidade do seu entorno, fazendo vestes e adereços como panos da costa, panos da cabeça, saia de baiana, fios de conta e fios de axé, e também peças contemporâneas inspiradas na cultura afro. Tudo o que, de acordo com a ialorixá que também coordena a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), se tornou cada vez mais industrial:
— Muito do que você vê vendendo nos grandes mercados não é muito de nossa tradição. Orixá, por exemplo, não usa nada muito mascarado. Mas eu estou falando como uma mulher que fez o santo há 50 anos, por isso eu me vejo no dever de trazer essa tradição. Mas tem coisas que podem mudar, sim. A gente passava roupa com ferro de carvão, não tinha eletricidade. Hoje, se pode mudar isso, mas a essência, que é ancestral, não se muda.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o município de São João de Meriti, onde se localiza o ateliê, possui 26,7% dos estabelecimentos e quase 30% dos vínculos empregatícios formais ligados à cadeia de moda na região.
Via Extra
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