SÃO JOÃO DE MERITI - O telefone de Elizabeth Paulino, de 55 anos, tocou cedo, e várias vezes, na última terça-feira. Era gente lhe per...
SÃO JOÃO DE MERITI - O telefone de Elizabeth Paulino, de 55 anos, tocou cedo, e várias vezes, na última terça-feira. Era gente lhe perguntando se estava acompanhando o noticiário sobre a prisão do major da PM Ronald Paulo Alves Pereira . Foi um susto: depois de 16 anos, ela começava a ver justiça. O oficial, além de ser acusado de envolvimento com a milícia de Rio das Pedras (motivo que o levou à cadeia), é acusado de participação no assassinato de dois filhos de Elizabeth. O crime aconteceu em 2003, e ficou conhecido como a Chacina da Via Show.
— Foi uma surpresa vê-lo preso. Luto há muito tempo para levar Ronald à cadeia, e nunca consegui. O nome que deram à operação, Os Intocáveis, é muito preciso. Ele sempre escapou, mas, dessa vez, parece que as coisas estão mudando — disse Elizabeth. — A perda de um filho é uma dor tão grande… E a impunidade é como se alguém estivesse metendo um dedo dentro de uma ferida no peito, aumentando a dor. Quando a justiça é feita, a dor não passa, mas a gente não fica com essa pressão permanente sobre o coração. A sensação é essa.
A luta de Elizabeth começou quando seu filho Renan concluiu o ensino fundamental, aos 13 anos. Para comemorar, ele decidiu ir a uma festa na Via Show, uma casa noturna que funcionava na Via Dutra, na altura de São João de Meriti. O irmão Rafael, de 18 anos, foi atrás, para não deixá-lo sozinho, e chamou o primo, Bruno, de 20. Os três pegaram carona com um amigo, o cadete do Exército Geraldo Sant’Anna de Azevedo Junior, de 21 anos.
Na saída da Via Show, o militar resolveu fazer xixi junto a um carro, no estacionamento. Foi flagrado por um grupo de policiais que trabalhavam como seguranças da casa e começou a ser espancado. Bruno, Rafael e Renan tentaram interceder e também passaram a receber socos e chutes. Em seguida, os quatro rapazes foram colocados dentro de carros. Desapareceram, e, três dias depois, moradores de Duque de Caxias os encontraram mortos, com tiros de fuzil na cabeça, dentro de um poço.
— Rafael era superprotetor com o irmão. Fez questão de ir junto, já que Renan nunca havia saído à noite — lembrou Elizabeth, emocionada.
Hoje, quatro PMs envolvidos no crime estão presos. Dois morreram, e, no dia 10 de abril, Ronald deve ser submetido a júri popular, depois de vários recursos apresentados à Justiça.
Manobras jurídicas
Ronald era capitão da PM quando começou a responder ao inquérito sobre a chacina. Quando o caso chegou à Justiça, ele conseguiu, por meio de advogados, desmembrar o processo, para não ir a julgamento com os outros acusados — que foram condenados em 2008. Em 2012, o oficial pediu a nulidade da ação. Conseguiu, e, com isso, pôde ser promovido a major.
Em 2014, o Ministério Público ingressou com um recurso no Superior Tribunal de Justiça, que determinou a reabertura do processo em 2017. A ação voltou para o Tribunal de Justiça do Rio, que, então, marcou o júri popular para abril. Na 4ª Vara Criminal de Duque de Caxias, Elizabeth voltará a ver Ronald.
— Já fiquei cara a cara com ele e senti muita angústia. Ele me encarou, e eu o encarei. Não desviei o olhar, não, porque não devo nada para ele. Ele que me deve — disse a mãe de Renan e Rafael, que completaria 34 anos na última segunda-feira, véspera da prisão do PM — Eu não tenho medo dele. Dizem que é matador. Mas ele já me matou, duas vezes. E ainda estou aqui.
Elizabeth chora quando fala dos filhos. Dois meses depois do crime, ela se mudou da casa onde vivia com o marido, a filha mais velha e os dois meninos. Na residência em que mora, não há fotografias nas paredes. Guarda duas imagens ampliadas de Renan e Rafael, mas não as deixa à mostra. Prefere vê-los de outra forma, com os olhos fechados, lembrando de momentos felizes com eles.
Via G1
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